domingo, 14 de dezembro de 2008

Série Coletânea


Certa vez um homen adormeceu na ilha e, naquela noite, sabia que não precisaria sonhar. Ele estava exausto depois de passar tanto tempo observando o mundo e ponderando os seus absurdos, numa análise rotineira de sua peregrinação.
Quando acordasse do sono no nada, estaria ele de volta a estrada onde sempre esteve e de onde jamais se deslocou, para essa viagem estranha onde ninguém sonha porque não existe o real, a não ser numa ótica virgem, sem contrastes, sem matizes, sem performance ou condição.
Voltaria à vida resumida á um quarto ou sala, á um banco de praça, á um gesto contido, uma voz que não fala, ou uma mala que vai simplesmente sendo arrastada até a outra estação.
Sem destino e sem direção.Subiria colinas e serras, reviraria a terra em busca de seu tesouro...
Ultrapassaria barreiras sem nunca ter medo de estar á beira de um colapso nervoso.
Voltaria tão parcial quanto sempre foi, pois, vindo do nada, já considerava muito o fato de poder ser. Entretanto, não achava que era o bastante, para que buscasse ser mais.
Se veio do nada, dizia que era preferível fazer-se valer mais nada do que não valer nada mais.
E o valor, ele comparava quando via e se incomodava com os absurdos, quando lamentava a verdade em desuso sendo a causa de uma profunda inversão.
Viu que o Universo não inverte nada; recicla, ratifica, remodela e continua em sua natural mutação, mesmo sendo refém, uma vitima de suas próprias criaturas, incontáveis e incontidas, projetos indefectíveis, objectos - de facto - de uma criação.
- E todas as vidas ele queria se, um dia, as pudesse viver...
Vida de plantas, aves ou qualquer animal, uma vida tão igual a vida que lhe fora dada, com chilrear de passarinho ou o coaxar de rã, um gesto de mudo ou o simples toque nas pontas dos dedos de um invisual.
Queria sonhar muito prá não dormir acordado e enquanto permanecesse deitado contemplaria, com prazer, a face da sua real intenção.
E enquanto não brilhava a aurora, a brisa que soprava lá fora envolvia toda a natureza. Daí, sentiu o corpo estremecer num ligeiro calafrio e o assobio do vento fresquinho, invadiu todo o seu ser, chamando-o para voltar ao nada, permanecer na ilha e não retornar a estrada, que fica do outro lado, onde o tempo não pára e vai estar sempre á correr.
Quando a luz da Lua apagar mais um dia e a nostalgia não mais causar aflição, cessará toda forma de ansiedade e, a incerteza não vai desvendar a verdade, que só pode ser revelada ao final, na plataforma da última estação.

M.lihm@